quinta-feira, 11 de outubro de 2012

POEMAS AMAZÔNICOS II



RENATO FRANÇA

No intenso rio, na intensa floresta
Infestam intensos sons e desejos
De perder-se na multidão aflita
Das folhagens aves águas coloridas...

E de tanto verde a tempestade se anuncia
Um tiro, uma serra, um corte, um pavio
Um índio solitário entrecorta a visão
Estarrecido o coração pela maldade...
Onde a mão a liberdade fere
E com sangue mancha a terra
Verde terra dos meus olhos
No agonizar dos sonhos de Iara...

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Poemas amazonenses



POEMAS AMAZONENSES

I

Nesse amazonense dia
De transloucadas verderias
Saio pela cidade bailando
Balaio de redes e euforia

A noite na cidade copia
A bronze face  caboquinha
Bebo na praça o tacacá da Maria
Flaneur meu rumo é a esquina

No Bar do Largo São Sebastião
Os sinos da Matriz repicam o fumo
Continua  esse andar sem rumo
O tal Flaneur, a tal solidão...

Cerveja ardente gelada fria
Na mesa ela sente e pede um copo
Os sinos repicam a forma sombria
A noite escura sai de foco...

Nesse amazonense dia
Igual a qualquer canto do mundo
Ouço o canto de amor sem rumo
Sereia cabocla – Leva-me de magia...

Leva-me da rua imunda
Leva-me da boca surda
Leva-me de mim, tão sem rumo..
Leva-me a mim, as águas escuras....

II

No tabuleiro da cabocla tem...
Na cuia do tacacá tem...
No tambaqui nosso de cada dia tem
Na banana frita da estação tem
No pirarucu de casaca tem
No pato com tucupi tem..

Esse gostinho bom de beijo
Café com tapioca
na manhã...




III

Roda de amigos
No Largo São Sebastião
Quem é de fora, quem é de dentro?
A cidade nos torna.


IV

Nem só de comida vida essa cidade
Nem só de Boi vive o cultural
Eu ouço rock and roll todos os dias


V

Na floresta o verso se inscreve
Entre os vermes verdes
A vida escreve suas vestes...
Nem só de comida vive a rua
Nem só boi dança a menina
Eu na floresta me inscrevo inteiro
E na rua enveredo-me poeta.





terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O MEDO





O MEDO

Alguém pode me dizer até onde dura o medo? Sim, porque trancado nesse quarto escuro não dá para eu saber.. apenas o medo sobrevive aqui... e dentro de mim... assim como fora também. Além do medo, o que sinto? O quarto escuro me suscita as fantasias, ou melhor, os fantasmas... A linguagem me cria esses embaraços... como achar melhor fantasmas a fantasias? Então, corrigindo: ou pior, os fantasmas..

De quem são esses fantasmas? Não sei! Sei que aparecem para assombrar aqui, no meu silêncio. Outro dia, à noite, quando não havia mais luz natural, a escuridão tomou conta de tudo como se fosse um porvir negro, macabro. Via aquelas velhas cruzes de cemitérios de filmes de terror da Hammer. Aquela atmosfera vaporosa, londrina. E então avistei os olhos dela na imensidão das cinzas do dia, do cinza do ar. Ela com seus fartos seios saltitando do audacioso decote. Olhos abertos, estatelados... sem expressão, se me viam, não sei... somente olhavam em direção ao nada. A boca de um batom negro... uma tumba aberta, ela a morta que retornava. Era um sonho? Era apavorante.

Acordei suado, calafrios pelo corpo. Febre. Dia já, não me lembrava de nada que não fosse a visão fantasmagórica daquela mulher, entre as cruzes da noite, no sombrio pátio, a estirar as mãos em minha direção, com aqueles olhos estupidamente abertos, como se suplicassem um beijo. Um beijo que me dava uma impressão glacial. Um beijo completamente frio.

Eu já pensei: será que existe mesmo um beijo da morte?

No quarto escuro parece que os beijos que não são de amor são de morte. Sim, porque o quarto escuro também abriga uma cena de amor... ela, toda esticada na cama, as luzes que jazem sobre ela são as das fimbrias da janela... que vazam da lua para iluminar os corpos dos amantes... eu então olhava para esse corpo tão lindo na cama.. as linhas insinuadas na sombra, no lençol de trevas que parecia descer sobre ela... ahhh, seus olhos... duas faíscas brilhantes, dois vagalumes piscando como o farol que orienta o capitão dos mares...o barco quase esbarra nos recifes, o corpo quase esbarra no desejo...o fantasma do paraíso, no silêncio da noite, no quarto escuro, me ama...

Foram muitas as histórias sobre beijos da morte. O caminhoneiro que parou ao ver a mulher pedindo carona, mulher linda, que ao entrar no caminhão se oferece, abre os botões... misto de doçura e devassidão, o caminhoneiro encontra seu destino trágico ao perceber que tem entre os braços uma caveira... e não há tempo de controlar a direção, indo ao encontro de uma árvore. Ele morre. Era o beijo da morte.

Uma mulher dedicada, humilde, mãe de três meninas e vivendo praticamente só com as filhas. O homem sempre viajando, o homem sempre na estrada, levando por vezes vários meses até retornar. Certa vez demorou um ano e meio viajando. As filhas, três lindas meninas, cresciam de modo que ele nem mais sabia o nome delas. A mãe se desdobrava com a criação das meninas, trabalhava cada vez mais para poder equilibrar a economia da casa, porque o dinheiro custava a aparecer, e muitas vezes, quando o marido retornava, era de bolsos vazios, com uma compra debaixo do braço. E só.

Só nada, ele vinha com a sua fome desvairada, queria a todo custo tirar da mulher um desejo que já não havia, ela com o corpo quase esquecido, ela sem se sentir a jovem atraente, de longos cabelos negros, corpo bem feito, a princesa de um lugarejo no fim do mundo. Apaixonara-se por aquele homem aventureiro, motorista de caminhão, que rodava pelo país, conhecia o mundo como ninguém. Contava-lhe histórias de suas andanças e dizia que a sua hora havia chegado, era tempo de estacionar e construir a casa, ter seus filhos. Ela olhava para a barba do homem e se orgulhava de ser como que uma escolhida do destino: dar a esse homem um lar, dar-lhe filhos.. ser dele, enfim.

E assim se deu. O casamento contrariara a mãe, que sonhava com a filha casada com o dentista filho do seu Joaquim do armazém, jovem que fora cedo para a cidade estudar e voltara formado e cobiçado pelas meninas. Não, para ela faltava-lhe aquela tenaz de homem do tempo, da vida, coisa que seu amor tinha de sobra: era um homem com todas as letras. Contrariando a todos, casou-se, sem levar nada para o novo lar que não fosse ela mesma... os pais recusaram-se a participar da cerimônia. Ela decidida seguiu sem destino.

Duro foi perceber que na noite de núpcias, após um longo instante de amor e prazer, acordou sentindo-se só... estendeu o braço sobre o corpo do marido que já não estava lá... e nunca mais esteve. Até hoje ela anda desesperada pelas ruas, enlouquecida, procurando por ele. Jovem, linda e maltrapilha... vive de restos... indiferente às tentativas da família de trazê-la de volta.

Vive de restos... esse olhar vago no espelho.. na memória as andanças e as fotografias imaginadas.. nunca o click conseguiu captar exatamente o instante.. o instante corrompido pela insatisfação, pelo fracasso. Talvez seja por isso essa estranha nossa preocupação com o tempo, com esse tempo tão estranho, que passa lento na infância e como um tufão destruidor com os anos... as tempestades sempre fizeram parte dos cenários em que o medo defrontava... o medo que junto ao tempo nos coloca nos braços de uma caveira.