sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

ENXERTOS


Sempre que a vontade vem. Como se os sapatos ficassem na soleira me esperando. Quero ir. No álbum, as fotos mostram sorrisos aprisionados. Na Revista Amiga eu deixo quase um testamento. Concedi essa entrevista para que minha voz seja sentida, a voz real, minhas palavras. São convites, eu sei, para as conjecturas mais esdrúxulas, no armário guardo ainda o faqueiro dado de presente do casamento que não se realizou, aquele de cabos de madrepérola, um luxo. E também o vestido bordado, mamãe ficou pregando meses os botões vindos da Índia. Muito simples nos detalhes, por isso não gosto dele. Prefiro as coisas extravagantes, sou uma mulher que não aceita a manhã, o dia, essa história de acordar cedo e fazer ginástica. Não gosto de sol, praia para mim é à tarde, bem tarde,quando os malditos raios não me ferem a pele de porcelana, que brilha na noite. Minha pele clara. Nessa hora caminho no calçadão da Lagoa e olho para eles. Eles quem? Ora. Se eu gosto da brancura? Essa natureza alva é que mais excita em mim. Fiz dela a minha marca, pareço uma tela pronta para ser pintada, uma ilusão rentável. Outros me vêem como uma página e escrevem nela romances encalhados. Ficam loucos. Não gosto de interferências em minha pele, a não ser aquelas feitas com mãos e dedos, por isso não gosto desse sol tão decantado. Porque é à noite que brilho, como disse. Misturo-me às estrelas. Sim, é um calor frio, um brilho esquecido, que ganha sentido no completo breu. Gosto de ser assim, de ter essa aparência meio mórbida, ingenuamente dark. Fez de mim a celebridade de hoje. O reflexo assusta, mas desperta o desejo nos homens. Sem dúvida eu construí a minha rede, nunca deixei de acreditar nas palavras, no sentido que podem dar às coisas. E ludibriar. Nada como inventar amores, correr pelas páginas da imprensa criando terríveis sistemas. Sempre que a vontade vem lanço-me inteira no espelho, preciso de gente para sentir o prazer de fisgar um peixe, não me interessa o sonho que possam ter comigo, que ilusões alimentam, não me interessa o desejo que sintam, ajo como um punhal atravessando corações, são uns idiotas acreditando em mim, como são estúpidos. Um resolver me seguir, e os meus sapatos lá, no mesmo lugar, a porta trancada por dentro, e ele lá fora, olhando os meus sapatos. Achou que me calçando entenderia um pouco do que sou, mas a alma é insondável, nem pegadas, nem restos deixo que possam denunciar o que intimamente planejo. Foi entrando, me sondando, até que percebeu o perigo em que se envolvera, afinal, meu preço é alto, decifrar os enigmas de cobra custa o sabor de uma vida. Amar assim é o risco que se corre. Caiu de cabeça, total cegueira. Digo sempre que os homens não têm qualquer simetria com a razão. Foi-se num vendaval, um barco que ruma sem destino. Lá vai ele. Eu nem me importo.

Sempre que a vontade vem pego o meu barco e saio por esse mar afora. Prefiro ir sozinho, sentir o mar, o vento, o azul. Lanço iscas para pegar o grande peixe. Os anzóis, eu sei, engasgam na garganta, mas, e nós, nos lançando na aventura, também não nos deixamos fisgar? Todos os dias no meu automóvel, cruzando avenidas movimentadas, sinto o desejo de parar com tudo e cair sobre a mesa de um bar, ser petisco, devorado por bocas operárias. Um tira gosto, um acessório, não sou o fim, acho que nem meio sou, ponte para outros, por isso me jogo na imensidão da Lagoa e converso com os peixes, minha banda solitária, saborosos com tempero de alho e sal, um pouco de limão, prontos na frigideira. Tenho sim um desejo, entender essa linguagem silenciosa, quando olho nos seus olhos e vejo um estranho brilho prateado, parecem não piscar nunca, frios como os de um defunto, eu penso, e me vem toda essa vontade de ir, eu no meu barco remando para longe do atracamento, solitário velho do mar, na luta ancestral para trazer o grande peixe, de bico de espada, as mãos maceradas, rasgadas pelo atrito salgado da linha grossa, quem me dera ficar nesse quadro como o velho da geração perdida, a humanidade inteira à mingua. No dia-a-dia, os cardumes são bilhões de cabeças andando sem direção, desencontros, edifícios, avenidas nos olham profundamente, como um rio a circundar as almas. Estou sozinho na travessia diária, o meu paletó na cadeira me simula. Os peixes sucumbem na água podre.

Olho a cidade daqui de cima e sei que faço parte de sua podridão. Gosto da idéia que vem quando olho para aquelas estrelas caídas no asfalto, aquelas luzes que escapam dos túneis. Sempre que a vontade vem eu vou, desço as ladeiras das encostas, os degraus da cidade, carregando a nossa lei. Tem gente que pensa, esse pessoal deve morrer, bom mesmo só morto, eu sei, por isso tomo tudo que posso de qualquer um, tenho quatorze anos, mas pensam que tenho dezoito, ou duzentos.Acumulo os treze incompletos de um irmão, outros quinze do vizinho, e mais e mais de quem nem conheci iguais a mim. Todos somados à minha ira com o mundo só me tornam esse velho descendo o morro em passo acelerado, olhar de poucos amigos, cheirado e com a pistola na calça. Faço parte dessa vida que não mede sacrifício para conseguir qualquer coisa, sabe, tem muita fome aqui, o leite nunca dá, e você pensa que eu fico rico, saiba que não vejo nem dinheiro, nem família, se olho essa dona de cara para o nada, vejo uma bolsa, um cordão de ouro, uns trocados. Eu estudei sim, aprendi a ler poesia, li uma que dizia que alam humana mesmo na lama tem um brilho sagrado, desço o morro como um anjo vem para salvar o mundo podre, nessa lama preciso ser mais que podre para entender. Já matei e não me arrependo. Também não me acho muita coisa por isso, eu respiro, às vezes no fundo de mim eu grito, as paredes que me protegem fazem ecos, olho para as estrelas e elas se parecem com janelas. Eu entendo o meu destino e desço, sempre que me vem essa vontade eu desço as ladeiras camufladas na noite e percorro as ruas da Lagoa atrás de você, do seu dinheiro, que me dará pão, leite e segurança, mesmo que somente por alguns minutos. Conto assim, a vida acelerada como desço nos sinuosos atalhos para alcançar o asfalto.

Aquele menino se aproxima de mim. Sempre que vem essa vontade eu caminho por aqui, sento-me neste banco e anoto as coisas que se passam ao redor. Na visão, a imagem daquele homem remando, não sabe para onde, a imagem se afastando, quase me carregando com ela, porque tento imaginar o que vai na mente daquele homem remando indiferente ao meu olhar. Alguém pergunta que interesse haveria em saber o que se passa na cabeça de um homem remando, respondo apenas que faço enxertos nos espaços em branco, preencho vazios. O menino se aproxima de mim ainda mais e eu vou me deixar levar, eu sei o que ele quer, quer o que não posso dar, me analisa a distância, talvez espere que eu corra, ou não, estuda as minhas reações, leio páginas de violência todos os dias e já elaborei um manual de sobrevivência em bancos solitários e públicos. Eu aceno para aquele homem que rema longe, quase invisível, mas está absorto em seu esforço de remar em uma água imunda, os peixes com cara de peixe morto, fedidos como o ar, lavai ele, remando, me levando com ele, minha salvação. Mas olho para o lado e vejo a mulher da capa da Revista Amiga, que se diz devoradora de homens, andando sem direção. Eu apreendo por instantes o seu olhar, sei o que me aguarda, eu imploro, me responda com os olhos e se compadeça ao ver meu corpo tombar na guerrilha em que estamos, eu queria sim que ela me acenasse e eu pudesse dizer continue a devorar os miseráveis, sempre que essa vontade vem eu faço, procuro a sua imagem, mulher, acho que estranho que você esteja tão perto de mim no meu momento derradeiro e de agonia, o menino se aproxima a quase um palmo, é um menino alucinado, deve ter cheirado muita cocaína, enfia a mão na calça e uma pistola prateada reflete o seu olhar. Mulher, peço o seu olhar nesse último instante, agora, o remador sumiu com o dia, deixando-me comigo, aniquilando uma possibilidade de preencher outro espaço em branco. Uma história de crime no fim da tarde, quase noite. Uma história de amor esquecida, ou a de um menino, vingador das ruas, roubando de cada pedestre o que pode, cobrador de vidas interrompidas, sua infância morta a tiros. Uma história acontecendo diante dos olhos indiferentes de uma atriz decadente, decidida a andar no calçadão da Lagoa, desesperada e sozinha, sem dinheiro para o aluguel há quatro meses vencido. Mulher que olha com piedade um homem tombado em um banco após ser pilhado por um delinqüente e cala uma lágrima. Que olha assustada para o menino em fuga, sem vestígios, a vida escorrendo na calçada, os olhos esbugalhados de peixe fisgado, um barco que se distancia.

Renato França

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Fabiano, uma noite


Não sei se de dentro da noite rompe esse clarão vermelho, talvez as pálpebras queimadas do dia, o amarelo intenso da catinga, o verde quase cinza dos juazeiros, a trilha apenas de marcas na areia. E a vida não. Fabiano, você é homem, ainda soa na minha cabeça essa voz, Fabiano, você é cabra, a vida sua é de cabra, é de vilão. E a imagem do filho mirrado, encolhido e magro. E da dor.

Mas que é dor de cabra? Destino só. Andar esse mundo sem lugar, fazer e desfazer a trouxa, armar-se ou não. Lembro do homem que leu, leu, leu... e morreu seco que nem galho.

Essa seca mata, como fome. Ela quer comer, e devora essa gente fraca. Fabiano, você é bicho, bicho forte que luta, aprendi com meu pai, que aprendeu com o pai dele, a seca a gente vence na lida, no laço que a vida amarra, no chão todo rachado eu vejo um rio, eu imagino a água correndo direto para a boca aberta de meus filhos. A seca mata como a fome, matar a fome não é fácil como matar gente, gente é fraca, e a seca é viril, engana a toda hora. O destino.

Esse clarão vermelho só pode ser do fogo que arde dentro da alma, do andar de cima a baixo no dia, e do medo de perder. Hoje aqui, amanhã lá, hoje empregado vaqueiro, amanhã retirante de pé a pé. No cansaço. O patrão quer de mim o que posso dar, o que não posso também... ele tira até o sangue escorrer, não é gente boa não. Seu Tomás da Bolandeira viu o sangue secar, mas não se entregou a gente alguma, coitado, acho que se perdeu nas palavras, nos livros e livros, como pode viver homem nesse mundo só de coisa escrita, sem coisa vivida?

Mas era de alma boa e de respeito, conhecia a dor desse mundo, acho que ele lia, e passava de mão em mão sua bondade de homem justo. Morreu seco, sem dó, essa treva. Eu não. Aprendi a sobreviver nesse chão perigoso. A trouxa sempre pronta a partir, porque a vida é só de passagem.

Mas tento esquecer a imagem do filho. Meu querer era deixar o garoto sequinho lá, na areia que cegava os olhos e a alma junto. Pus nas costas como uma trouxa, retirei a espingarda e entreguei na mão da mulher, essa mulher que olhou em mim e viu um homem que salva o filho das mãos do maligno. Mas eu salvava era a mim mesmo. Fabiano, você não é bicho, Fabiano, você é forte. Eu segurei o menino e o joguei nas costas, meus braços tomavam força estranha, eu quase não sentia mais em mim esse Fabiano que fala dentro, parecia outro, outro de um vale verde, e meus olhos só não choraram porque era preciso seguir rápido, mesmo no lento do passo.

A catinga amarela sumira então de mim, e ficou essa mancha vermelha, grande, que me invade a noite, nessa noite em que tento fechar os olhos e não consigo, quando olho para o lado e vejo essa mulher e seu sorriso seco, sorriso de mulher desencantada. A doida que sonha com cama de dormir. Sou um sábio, sim, e sei que esse sonho é só tormento, que a mulher deve ter com os filhos e dizer a eles para calar a boca e só ouvir — gente — tudo quer saber, e nada não, ela tem que dizer parem de aborrecer, ficar no ofício, que de pequeno se trabalha e se ganha pão. Ah o pão, como se houvesse farinha.

Nem farinha há nessa terra de outro. Porque não era para se enganar, não dormiria assim, pensando ser a terra minha casa, ou dormiria assim, sabendo que amanhã o patrão vinha e gritava, e se da vontade dele brotava o ir-se embora, a gente ia. Mas como a fazenda, acho que a vida vai. Sinhá Vitória vai acordar com outra cara, e Baleia vai correr comigo em campo atrás de gado, pois agora sou vaqueiro.

A fazendo é o mundo.

O mundo pode secar, eu sei, olho para os troços minguados no chão sabendo que a qualquer momento haverá um fim. Como essa noite, diferente da outra, desprotegida no meio da catinga, de fome e sede. Olho para essa fazenda morta ainda e ela começa a fechar os meus olhos, de sonho eu vejo algo além desse vermelho queimaço do dia, olho e vejo uma terra cheia. Uma terra morta ainda, mas que vai correr vida em cada passo, e haverá chuva, e as sementes brotarão, vaqueiro daquela estância para nascer. E um tempo em que não será a alegria um divertir-se com ossos de preá.

Baleia se balança como se ainda estivesse atrás da novilha raposa... ou então dança no tilitar do chocalho de ossos. Baleia sonha a sua caçada, e a volta com o prêmio entre os dentes. Na verdade, seu estômago a enfraquece, sim, ela está é tremendo de fome, a fome nos traz miragens, e se ela sonha com a caça, se ela traz nos dentes a sua presa, ela ao mesmo tempo já é uma presa da morte, que cedo ou tarde vem. Dela ninguém escapa, não há homem no mundo. O pequenino escapou porque Deus... me fez homem na hora horinha, e depois havia o papagaio, mudo, que serviu de comida quando não mais havia. Esse Deus levou, se é que Deus é para bicho também. Mas sim, eu sou cabra, e cabra não é gente, e cabra é filho de Deus, então Baleia também. Nas veredas percorridas o rastro meu e de antepassados, e deles, dos bichos, a história é sempre a mesma, uma catinga uma vez na vida verde, e o resto o amarelo. Da morte ninguém escapa, vou-me indo.

E Fabiano, homem ainda.

Renato França

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Mensagem no celular


A mensagem no celular em um domingo de sol no parque de diversões. Logo ali, quando resolvia soterrar o passado de crenças na felicidade. Entre as vozes ensurdecedoras e gritos de pavor de montanhas russas, trens fantasmas, revolvia a vida. Apenas uma centelha do que foi um dia. Acredito que luz não tenha sido, acho isso mesmo, queluz acontecesse em almas sublimes. Nunca fui dado ao sublime, nem à luz... no sonho de mim mesmo talvez, minha imaginação construindo uma face mais discreta, mais intensa, um olhar apaixonante, uma voz sedutora... mas nunca. O olhar mais para a fumaça, embaçado. O apito, vai partir mais um carro no trilho do pavor.

Ontem pensei em me matar. Olhei para o escuro do quarto, sempre ele, o escuro. Eu vi você, minha imagem, e os olhos não tinham esse medo, os cabelos não estavam tão desalinhados. Eu vi a roupa, era velha sim, mas parecia tão elegante, esse porte atlético, essa energia de quem anda no mundo sem dono, esse força de quem domina os sentidos. Pobre. Eu olhei nos olhos da imagem e não senti pena de mim mesmo, era o Aquiles, sabedor da morte, mas reconhecendo a glória da vida. Sim, nos olhos o que se liam eram linhas e versos, cantos, uma ode à vida. E a amargura. Alguém precisa fazer alguma coisa, pois é sedução demais ouvir essa glória cantada por uma miragem e saber que quando a luz voltasse, essa luz mergulharia uma lama em trevas, como é difícil, e ruim, ter de nascer, ou melhor, acordar, nascer e acordar são coisas tão parecidas, há um choro comum, uma luz irritante. Eu pensei em me matar, não mais ter que passar por esse incômodo recomeço. Espreitar a vida, olha-la de longe, mira-la, perder o foco, errar o alvo. Meu arco e minha lira, meu arco destruído e a lira já sem cordas. Eu senti vontade de me matar, de deixar a barca correr em rio suave, levando para o distante, aqui dessa margem tudo se desloca para lá, esse lá tão lá longe. Eu queria ir logo.

A imagem ainda estava lá quando retornei ao quarto. Mais um dia. Ela sorria, e eu acalentava as suas palavras de sonho. Ela era linda e disse “você não precisa vir, eu vou ao seu encontro”. Então estremeci porque antes eu decidiria, eu diria quando ir, em um gesto de coragem, do alto de meu desespero, eu me mataria. Agora não. Agora o medo tomava posse de meu corpo para sempre. Teria de viver o que na verdade não era mais viver.

Domingo no parque, um lado cheio de barquinhos coloridos, crianças gritando alguma coisa incompreensível, porque é impossível entender essa felicidade acumulada, concentrada no campo do fantástico, da mulher barbuda, da mulher fera, da mulher bailarina, da mulher domadora, da mulher equilibrista, da mulher vendedora de doce, de algodão doce cor de rosa e anil, se prestar atenção ela está por toda parte, ela está pronta para me encontrar e mesmo que eu queira ou não queira sei que ela está a caminho, e esfinge vai fazer com que me esforce para decifrar o que quer me dizes. Já não sou Aquiles, já não tenho escolha, se e´que Aquiles pôde em algum momento optar por ser um homem comum, talvez sofresse de mal dos heróis, de ser sempre o outro, fazer pelo outro, renunciar a si sempre que a deusa expandir o seu querer. Talvez ali, em meio ao canto infantil da felicidade o tiro, ou o corte, ou a corda cantassem em meu coração, e antes que ela me alcançasse eu diria “agora você terá de me perseguir no ali distante, olha, eu vou seguir o curso desse rio, vou me apressar, vou seguir de perto, vou ficar ao longe”, sim, fora do drama do herói posso escolher, posso dizer “musa e deusa, encontre-me se poder”.

Domingo no parque de diversões é um programa banal. Olho e percebo nas vozes ensurdecedoras das crianças uma esperança sem querer. É só viver, se divertir, essa criana que fala comigo. Como um algodão doce imitando as bocas tranqüilas. Limpo com o braço o que de açúcar resta em meus lábios. E então percebo que estão doces. Eu a vejo. Acho que tentei me livrar da imagem, era tudo mais fácil quando estava presa no meu quarto, quando era uma presa minha.

A mensagem chegou do celular “tenho um sentimento especial por você”, que vem com o colorido assustador, com o doce que deixa marcas, a bailarina que tomba, o gesto dominador da mulher que atiça a fera com o chicote, a mensagem veio assim, apesar de todos medos no olhar da platéia quando a equilibrista arrisca um passo mais ousado na ponta da corda, e a outra se deixa à mercê da pontaria do homem, ela desviando com sua beleza as facas em sua direção, quase ameaçando “seus sonhos jamais me ferirão”, eu me atiro em sua direção, eu percebo a sua coragem, a mensagem no celular é um chamado irresistível. Eu vou, eu preciso ir, eu me desespero para responder , eu quero ligar logo, sair do parque colorido, do trem fantasma, da corda, do picadeiro. Mas ela não, ela apenas me olha, eu sei que me quer, e outra mensagem “não se desespere, eu vou até você’.