quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Mensagem no celular


A mensagem no celular em um domingo de sol no parque de diversões. Logo ali, quando resolvia soterrar o passado de crenças na felicidade. Entre as vozes ensurdecedoras e gritos de pavor de montanhas russas, trens fantasmas, revolvia a vida. Apenas uma centelha do que foi um dia. Acredito que luz não tenha sido, acho isso mesmo, queluz acontecesse em almas sublimes. Nunca fui dado ao sublime, nem à luz... no sonho de mim mesmo talvez, minha imaginação construindo uma face mais discreta, mais intensa, um olhar apaixonante, uma voz sedutora... mas nunca. O olhar mais para a fumaça, embaçado. O apito, vai partir mais um carro no trilho do pavor.

Ontem pensei em me matar. Olhei para o escuro do quarto, sempre ele, o escuro. Eu vi você, minha imagem, e os olhos não tinham esse medo, os cabelos não estavam tão desalinhados. Eu vi a roupa, era velha sim, mas parecia tão elegante, esse porte atlético, essa energia de quem anda no mundo sem dono, esse força de quem domina os sentidos. Pobre. Eu olhei nos olhos da imagem e não senti pena de mim mesmo, era o Aquiles, sabedor da morte, mas reconhecendo a glória da vida. Sim, nos olhos o que se liam eram linhas e versos, cantos, uma ode à vida. E a amargura. Alguém precisa fazer alguma coisa, pois é sedução demais ouvir essa glória cantada por uma miragem e saber que quando a luz voltasse, essa luz mergulharia uma lama em trevas, como é difícil, e ruim, ter de nascer, ou melhor, acordar, nascer e acordar são coisas tão parecidas, há um choro comum, uma luz irritante. Eu pensei em me matar, não mais ter que passar por esse incômodo recomeço. Espreitar a vida, olha-la de longe, mira-la, perder o foco, errar o alvo. Meu arco e minha lira, meu arco destruído e a lira já sem cordas. Eu senti vontade de me matar, de deixar a barca correr em rio suave, levando para o distante, aqui dessa margem tudo se desloca para lá, esse lá tão lá longe. Eu queria ir logo.

A imagem ainda estava lá quando retornei ao quarto. Mais um dia. Ela sorria, e eu acalentava as suas palavras de sonho. Ela era linda e disse “você não precisa vir, eu vou ao seu encontro”. Então estremeci porque antes eu decidiria, eu diria quando ir, em um gesto de coragem, do alto de meu desespero, eu me mataria. Agora não. Agora o medo tomava posse de meu corpo para sempre. Teria de viver o que na verdade não era mais viver.

Domingo no parque, um lado cheio de barquinhos coloridos, crianças gritando alguma coisa incompreensível, porque é impossível entender essa felicidade acumulada, concentrada no campo do fantástico, da mulher barbuda, da mulher fera, da mulher bailarina, da mulher domadora, da mulher equilibrista, da mulher vendedora de doce, de algodão doce cor de rosa e anil, se prestar atenção ela está por toda parte, ela está pronta para me encontrar e mesmo que eu queira ou não queira sei que ela está a caminho, e esfinge vai fazer com que me esforce para decifrar o que quer me dizes. Já não sou Aquiles, já não tenho escolha, se e´que Aquiles pôde em algum momento optar por ser um homem comum, talvez sofresse de mal dos heróis, de ser sempre o outro, fazer pelo outro, renunciar a si sempre que a deusa expandir o seu querer. Talvez ali, em meio ao canto infantil da felicidade o tiro, ou o corte, ou a corda cantassem em meu coração, e antes que ela me alcançasse eu diria “agora você terá de me perseguir no ali distante, olha, eu vou seguir o curso desse rio, vou me apressar, vou seguir de perto, vou ficar ao longe”, sim, fora do drama do herói posso escolher, posso dizer “musa e deusa, encontre-me se poder”.

Domingo no parque de diversões é um programa banal. Olho e percebo nas vozes ensurdecedoras das crianças uma esperança sem querer. É só viver, se divertir, essa criana que fala comigo. Como um algodão doce imitando as bocas tranqüilas. Limpo com o braço o que de açúcar resta em meus lábios. E então percebo que estão doces. Eu a vejo. Acho que tentei me livrar da imagem, era tudo mais fácil quando estava presa no meu quarto, quando era uma presa minha.

A mensagem chegou do celular “tenho um sentimento especial por você”, que vem com o colorido assustador, com o doce que deixa marcas, a bailarina que tomba, o gesto dominador da mulher que atiça a fera com o chicote, a mensagem veio assim, apesar de todos medos no olhar da platéia quando a equilibrista arrisca um passo mais ousado na ponta da corda, e a outra se deixa à mercê da pontaria do homem, ela desviando com sua beleza as facas em sua direção, quase ameaçando “seus sonhos jamais me ferirão”, eu me atiro em sua direção, eu percebo a sua coragem, a mensagem no celular é um chamado irresistível. Eu vou, eu preciso ir, eu me desespero para responder , eu quero ligar logo, sair do parque colorido, do trem fantasma, da corda, do picadeiro. Mas ela não, ela apenas me olha, eu sei que me quer, e outra mensagem “não se desespere, eu vou até você’.

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