quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O CAFÉ

Nem sei se existe uma certeza. Sei apenas que existe uma porta aberta... talvez eu entre nessa casa e encontre um café fresco, ainda fumegando. Talvez encontre a mulher deitada na cama, dormindo, o lençol levemente cobrindo as partes sutis do corpo, as costas nuas, de bruços.. cansada do dia estafante do supermercado, quando centenas de pessoas passaram pelo seu caixa. Homens que escolhiam a olhos a beleza morena e deliravam com a fantasia da menina linda e pobre que se casa com um príncipe. Como se apenas desfilando a carteira, exibindo o cartão de crédito lhes creditassem o futuro nos braços da mulher.

Até que não é uma idéia tão equivocada. A tradição colabora. Mas olhar para essa mulher deitada, de costas nuas, os cabelos jogados sem destino certo cria a expectativa de que o aproximar-se será seguido pelo beijo ardente, aquele beijo da mulher que espera seu homem depois de uma semana rodando nas estradas, levando a carga de um estado a outro, visitando cidades que já conhece de muitas histórias... o café... o café que o mantém vivo durante as madrugadas e que, na parada de posto em posto, acaba encontrando aquela outra, desvairada, miserável, mãe de cinco filhos... arrasada mulher... e uma nota de dez reais conseguirá garantir o arroz e o feijão do dia seguinte.

Espreitar a porta semi-aberta e pressentir no silêncio a transformação das essências resguardadas. O café está frio, o café é envelhecido.. e os restos de pão no assoalho acabam delatando a violência, o medo de chegar ao quarto e ver a mulher desfigurada, o corpo inerte, frio como o café sequer tocado, pois não houve tempo, apenas o de correr e tentar se trancar e gritar, um grito que não podia ser ouvido, obliterado pelos outros gritos da final do campeonato. Ninguém ouviria, ninguém ouviu... ele simplesmente chegou sem fazer alarde, surpreendeu-a no instante em que o prazer de um café se inspira no enlace infinito do seu corpo junto `aquele céu aberto de paixão. As horas de antes, auroras como as vividas no imenso sonho da menina pobre e sem amor. Que mal há em sonhar, que mal há em ceder a uma atração tão visceral. Mas não....os rastros desse verão levam ao soturno inverno e o home traído não se sente tocado pelo café saboroso oferecido pela mulher, o pão na mesa se espalha em farelos numa vermelhidão dolorosa. Ferida no corpo e na alma, esvai-se como um rio em direção ao mar, misturando-se no escuro silêncio enquanto os gritos de gol e os fogos fazem a festa nos arredores.

A porta entreaberta e a cortina dos mistérios. Não ouso entrar, não ousa o homem despertar a linda caixa do supermercado, suas aventuras na estrada ficarão de fora, é cedo para descartar a solidão. E mesmo o sedutor aroma do café não o fará mudar de idéia. Seu caminhão está esperando a hora de ir, está na hora de esquecer essa porta que, quem sabe, mudaria o seu destino. Mas o medo de encontrar a mulher morta é maior que o sonho de vê-la com as costas nuas, o lençol cobrindo apenas suas partes, seus cabelos como ondas bravias.

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