sábado, 15 de janeiro de 2011

Homens ao mar



Na travessia do Atlântico eles sentiam o medo do desconhecido. Mais que tempestades, temiam o abismo do mundo, o momento crucial da vida, quando da enorme queda deveriam se despedir para sempre. Os marinheiros. Eles e suas crenças, o monstro marinho que cruzaria diante da embarcação com a enorme cauda destruindo as esperanças de voltar, rever mulher e filhos. Tudo se perderia em um golpe só, e daí a raiva que sentiam do capitão, homem insensível à dor da tripulação, obstinado em sua sede de chegar ao fim início do sonho, um lugar futuro com seu nome, um monte virgem.

Movido pela paixão, o capitão nunca daria ouvido a sentimentos brotados dentro da alma. Sentia a mesma saudade da família, mas nada que o fizesse retornar o movimento e retrocedesse o objetivo desbravador. Além disso, sabia dos prejuízos, a desgraça em que todos cairiam junto a ele, postos a ferros em fria cama de masmorra, o espírito endurecido. Por isso deixa o vento tocar a espessa barba, esse capitão que olha os seus homens e sente pena, mas duro não se verga. Domina as marés, sabe dos monstros no coração de cada um, sabe do abismo logo à frente, mas é preciso superá-lo, fazê-lo sucumbir diante do heroísmo.

Nos momentos mais difíceis da viagem lembrava que Deus existia na imensidão do mar, como um nada. Sabia que o nada daquele mar era vivo, um nada à frente, um nada ao redor, um nada é tudo que possa crer, o mar repleto de seres vivos, é um mundo invisível. Olha no céu, nem nuvens no nada acima de cor azul. No meio-dia ameaça a loucura no calor, implacável, a obra de Deus e sua mão mandando ir, sem medo, ou dominado. Tomar pela cauda o monstro e retira-lo das entranhas do mar, da alma. O episódio épico é a condição do capitão, senhor dos mares e dos homens, seus destinos, ou de si mesmo.

Ah se os homens soubessem o quanto lhe corrói o espírito ser duro, se a mulher soubesse o quanto de mágoa seca no coração por saber perdê-la das retinas, o esforço que faz para manter viva a imagem das crianças.

O capitão mal as conhece, no turbilhão da vida que escolher, comandar homens e a renúncia de comandar a vida dos filhos, o perdão quem sabe se terá. O destino, apenas o da tripulação ignorante, de aparência miserável, sem qualquer ideal. Homens assentados no navio, ali pensando apenas em um dia de pesca, mais um dia como os demais de suas vidas simplórias, presas à rotina de acordar, trabalhar e dormir. No fundo, aceitaram um desafio, sabiam ser viagem o grande acontecimento ser saber. São coisas assim: de um momento você percebe que a vida mudará a direção, para sempre. Mesmo os mais simples, sem qualquer experiência intelectual ou metafísica, pressentem o repentino. O momento sem volta.

E lá vão semanas e meses. Saudade e morte. A melancolia é uma doença disfarçada em escorbuto. Provações, pouca água, ausência de comida, sem descanso, sem o vento.

Pouco sabemos do que ia ao coração daqueles homens quando se aperceberam do paraíso. E aquelas mulheres nuas, como devem ter tocado fundo os seus corações. Talvez um prêmio, esse banquete. A alegria vem dessa forma. O capitão, vendo a tripulação mergulhada no amor, olha-se e pergunta-se: por que não eu? E uma folha cai sobre a cabeça.

É uma folha tão verde, de uma planta cujos frutos lhes são desconhecidos. Ele pára. Entende o sinal, a trilha do herói nunca termina e não será ali, no fugaz instante da beleza o dissipar da missão. O amor que sente é como o céu estrelado, surgindo como o nada do mar que afoga tristezas, o seu amor é o rumo, o lugar o caminho... seu monstro a sempre domar.

Renato França

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